A
Primeira Videopoesia, Roda lume ou Emak Bakia?!
Apesar da videopoesia se
desenvolver como novo gênero poético, a partir dos anos 80, alguns
historiadores apontam Emak Bakia,
como o primeiro ‘videopoesia’, enquanto outros apontam Roda lume.
Emak Bakia é
um curta-metragem surrealista francês de 1926 dirigido por Man Ray. Na época
foi denominado como ‘cinepoesia’. Ray realizou uma bricolagem com fotografias e
radiografias, utilizando uma técnica que incluía dupla exposição, diferentes focos
e outros recursos ambíguos. A criação de Man Ray é conceituada como primeiro
‘videopoesia’ por alguns historiadores, para enfatizar a não necessidade da
presença da linguagem verbal para que uma obra se configure como videopoesia.
Por outro lado, Roda Lume de 1968, do poeta português Ernesto
Melo e Castro, produzida nos estúdios da Rádio Televisão Portuguesa, (em preto
e branco) com duração de 2’43”, transmitido em janeiro de 1969, é apontada como
real e mais genuíno exemplar de uma videopoesia. Uma película sonora que consistia
na leitura de imagens animadas, constituídas por formas geométricas, letras e palavras.
Segundo, Eduardo Kac em seu livro Luz e
Letra, no capítulo “A poesia da Nova Era”, a ‘videopoesia’ de Ernesto Melo
e Castro, incorporou a evolução das
imagens no tempo como fator constituinte de seu processo de criação poética, ao
contrário dos “clip-poemas”, que se limitavam a mostrar vídeos de escritores
declamando versos, Roda Lume criou uma nova sintaxe com base nos recursos
audiovisuais.
Conceito de Videopoesia para o POVID!
O videopoesia é uma forma de expressão artística que combina elementos visuais e sonoros para transmitir uma mensagem poética. Portanto, a videopoesia mescla o poema tradicional com elementos audiovisuais utilizando imagens, música, sons, movimentos de câmera e texto para criar uma experiência sensorial única. O movimento incorporado ao texto, é a principal contribuição que a linguagem do vídeo traz para a poesia, pois possibilita a condução do sentido da palavra, amplia a noção de tempo dos vocábulos e quebra a linearidade da leitura.
Termo
Videopoesia é uma palavra; não é separada ou hifenizada. Como palavra, indica que ocorreu uma fusão do visual, do verbal e do audível, resultando em uma nova e diferente forma de experiência poética. Como um amálgama de origens latinas (vídeo) e gregas (poesia), a “videopoesia” não é “vídeo de poesia”, que são feitos para promover poemas impressos, usando imagens descritivas do texto na forma convencional de narrativa cinematográfica.
Videopoeta
O videopoeta é um poeta, cineasta e artista sonoro combinados. A videopoesia reconhece que a logística de produção às vezes requer que uma equipe de indivíduos coopere durante a criação de uma obra; o gênero acomoda tanto o trabalho individual quanto o colaborativo, desde que a obra exiba uma visão unificada.
Restrições
Texto, exibido na tela ou dublado, é um elemento essencial do videopoema. Uma obra que não contém texto visível ou audível pode ser descrita como poética, como um filme de arte ou videoarte, mas não como videopoesia.
Narrativa
Na videopoesia momentos narrativos — sejam eles apresentados como elementos individuais ou uma combinação de texto, imagem ou som — incentivam o envolvimento do espectador. De cena em cena, a narratividade impulsiona a obra para frente, a distância percorrida, o tempo decorrido, as vozes ouvidas, as imagens vistas, são medidos com o que melhor se adequa à direção poética de um momento particular. O significado é eventualmente derivado da narrativa para elementos não narrativos, onde a expectativa é satisfeita e subvertida.
Justaposição poética
Na fase de edição (ou “montagem”), decisões sintáticas são tomadas para renderizar justaposições imagem-texto-som como uma metáfora para “significados” simultâneos que o espectador interpretará. Essas decisões são baseadas na apresentação dos 3 elementos como realidades distantes, frequentemente alcançadas por meio de operações aleatórias cuja sequência, pareça ser sempre nova ao espectador. O sucesso de cada decisão sintática é alcançado quando as realidades distantes não sejam tão distantes a ponto de causar desengajamento. A chave de uma boa justaposição poética é o equilíbrio da relação imagem-texto, da qualidade sugestiva em vez de ilustrativa, da duração, do posicionamento e a aparência do texto, do tratamento das cores, da trilha sonora, da aceleração ou desaceleração dos elementos, ou seja, equilíbrio e controle do impulso narrativo. É imperativo que sejam consistentemente percebidas como sugestivas de relacionamentos indiretos – misteriosos ou oníricos.
Experiência poética
A videopoesia reconhece o poder do vídeo para produzir e comunicar associações sem precedentes e ilimitadas entre imagem, texto e som. O espectador é apresentado a justaposições não ilustrativas de imagem, texto e som. À medida que o trabalho se desenrola, percebe-se que os elementos visuais e audíveis são expressões fragmentadas da imaginação do artista, sugestivas de significado, mas negando o esclarecimento do significado pretendido.
Ritmo
A poesia em um videopoema é caracterizada por um ritmo discernível, mas é diferente da forma tradicional escrita ou oral de poesia: não se limita a um atributo do elemento de texto. Ritmo é o efeito produzido pela introdução e a duração subsequente de uma nova porção de imagem, texto ou som no processo de montagem da obra. A repetição – como um dispositivo visual ou audível – produz a sinalização mais eficaz da presença da poesia. Suas muitas funções incluem ênfase, autorreflexão, divisão, regulação ou suspensão do tempo, até mesmo uma qualidade hipnótica; é mais útil para sustentar a estrutura rítmica e a experiência poética de uma obra.
Ilustração
Ver uma imagem como representação do texto audível ou ouvir as palavras como elas são exibidas na tela, viola a premissa de que a justaposição poética é a apresentação de realidades distantes; inevitavelmente, o espectador é impedido de formar suas próprias associações imaginativas entre os elementos apresentados, resultando na desmistificação dessas associações, diminuindo a qualidade poética e a experiência da obra.
Duração
Seja composto de múltiplas cenas ou de uma tomada contínua, um videopoema com mais de 180 segundos, enfrenta o desafio de sustentar a experiência poética do espectador. O videohaikai (aproximadamente 30 segundos) usa algumas palavras de texto anexadas à duração mais curta das imagens.
Texto
O texto tem a capacidade única de entregar os sinais de objetos abstratos (ideias), bem como objetos concretos ao espectador; como tal, ele desempenha a função mais essencial em um videopoesia, fornecendo o contraponto ideal aos elementos de imagem e som. Devido à sua capacidade de ser exibido na tela, o texto encontrado em uma imagem permite que o espectador experimente a poesia em uma forma visual baseada no tempo; é o catalisador essencial na transformação de uma obra. Fontes são selecionadas por sua clareza sugestiva em relação à imagem apresentada. Posicionamento, movimento, duração e aparência devem ser tratados como imagem. Embora, a variedade e versatilidade seja prova de que novas maneiras de ver as palavras, desempenha uma função poética, os efeitos não são pré-requisitos da videopoesia. É preciso ter cuidado com a tendência de exagerar na materialidade da palavra escrita, manipulando sua aparência em detrimento do “significado”. Equilíbrio estético e significado produzem a “poesia” em um videopoema.
Sonorização
Uma boa “trilha sonora” aumenta significativamente a percepção sensorial da obra; fornecendo o contraponto ideal aos elementos de imagem e texto para auxiliar o espectador a processar o efeito ou significado das justaposições. A trilha sonora não é um pré-requisito da videopoesia (o silêncio é um efeito e uma decisão sintática), mas sua presença contribui para uma riqueza de efeitos e significados. A voz "real" do poeta fornece uma conexão autêntica com o criador da obra; afetada ou natural, alta ou suave, arrastada ou modulada, metálica ou enjoativamente doce, apaixonada ou opaca, nasal ou gutural, a voz de um rouxinol ou a voz filtrada no telefone, são vocalizações que enfatizam mais as qualidades auditivas do que as semânticas, portanto, mais compatíveis com objetivos não narrativos da videopoesia. As declamações, os cantos, as recitações de "palavras sem sentido" fornecem um contraponto natural quando justapostas com imagens abstratas.
Música
Pode ser usada de forma mínima ou esporádica, sobrepondo ou subjacente a segmentos selecionados. Em certos casos, pode ser atribuída a tarefa mais exigente de entregar toda a trilha sonora da obra, do início ao fim. A função primária é intensificar, diminuir ou eliminar o conteúdo emocional de uma “cena”, o uso de segmentos musicais específicos fornece pistas para o espectador identificar significados suplementares na obra. Enquanto a música enfatiza, acentua e apoia cenas narrativas, o efeito sonoro age como gesto isolado e disrruptivo, usado para destacar uma justaposição incongruente de imagem e texto, ao mesmo tempo em que contribui com a dissonância do ritmo interno da trilha sonora.
Legenda
Otimizadas para legibilidade com fonte branca, sem serifa em uma exibição separada abaixo da tela ou amarela com contorno preto na parte inferior sincronizada com o áudio. Deve ser fornecida em vários idiomas, possibilitando ao espectador selecionar o idioma preferido.
Formatos
Videopoesia de TEXTO CINÉTICO: é a animação de texto sobre um fundo neutro. Esse formato deve muito à poesia concreta, padronizada em seu estilo – o uso de diferentes fontes, tamanhos e cores, posicionamento espacial estratégico, autorreferencialidade – apresenta simultaneamente texto como imagem. Em virtude de sua aceitação igual do semântico e não semântico, bem como sua capacidade de demonstrar a destruição, reconstrução e transformação de palavras ou letras estáticas em “caracteres” que se movem (em ambos os sentidos da palavra), o formato representa o “protótipo” de um videopoesia.
Videopoesia de TEXTO SOM: apresenta o texto na trilha sonora. Justaposto com as imagens de vídeo na tela, ele é expresso através da voz humana. Das cinco categorias de videopoesia, esse formato (com ou sem música) – é a mais popular, devido à facilidade de trabalhar vídeo/filme, ou seja, usando a voz como o principal modo de apresentação de texto e justaposição com imagens e outros sons (por exemplo, música, canto, efeitos sonoros, etc.) – sem a dificuldade adicional apresentada pelo texto visual.
Videopoesia de TEXTO VISUAL: exibe o texto na tela, sobreposto a imagens. Encarregada de liderar o gênero, esse formato apresenta o desafio mais significativo para o gênero. Para o espectador engajado, as relações complexas e a multiplicidade de significados sugeridos por justaposições de texto na tela com imagens curiosas e não ilustrativas tornam saltos imaginativos extraordinários não apenas possíveis, mas automáticos.
Videopoesia de PERFORMANCE: é a aparição na tela do poeta (ou ator), falando direta ou indiretamente para a câmera. Dos cinco formatos, é o mais problemático: o poeta/performer é percebido como o intermediário entre o espectador e o poema, possivelmente desmistificando o processo de apresentação. (Excluindo a forma de poesia sonora, há muitas representações excelentes e emocionalmente comoventes de “arte verbal”, mas elas são apenas isso – re-apresentações de poemas, não os poemas.) Em um videopoesia, as aparições na tela só têm sucesso em virtude de sua expressão visual (ou seja, linguagem corporal excêntrica) e sua justaposição – dentro do quadro da imagem – com um fundo que sugere um “cenário” único e incomum para a performance.
Videopoesia de CIN(E)POESIA: é o videopoesia em que o texto é animado e/ou sobreposto a gráficos, imagens estáticas ou em movimento que são “pintadas” ou modificadas com a ajuda de softwares. Esse formato se assemelha ao TEXTO VISUAL, exceto que as imagens têm uma aparência gerada ou modificada por computador. Trabalhos criativos podem sobrepor e exibir combinações de formatos.
Videopoesia conceitual
Focam na materialidade da linguagem, excluem a narrativa e tendem a ter pouco valor semântico intencional; o "significado" é atribuído ao processo de apresentação, que segue uma fórmula pré-concebida (a ideia), frequentemente executada de forma metódica. O elemento de texto nessas obras é forte no contexto, mas despojado de valor emotivo. O espectador pode não perceber o desenvolvimento ou a mudança de perspectiva ao longo da obra, pois os efeitos de aumento ou diminuição são substituídos pela intenção de apresentar um objeto de exame em um estado autorreferencial puro.
Extraído do texto VIDEOPOETRY: O MANIFESTO de TOM KONYVES